Não sou muito a favor de explicar texto teatral,ele precisa se sustentar por si só, mas de vez em quando pode ser útil dar uma dica de qual exatamente foi sua ins-piração. Então, aí vai uma breve introdução: esta é uma cena que criei, que supostamente deve durar apenas alguns minutos. Supostamente. É sobre a escuta e sua falta, sobre o quanto casais conseguem dizer muito com poucas ou nenhuma palavra, e ainda assim fracassam tragicomicamente em comunicar suas verdadeiras angústias. Ou algo do tipo.
PS: Pode parecer besteira, parnasianismo aguado, até, mas as pontuações são muito importantes. De verdade. Se eu fosse recomendar algo sobre a transposição do texto pra cena, eu recomendaria investiga-las.
Um dia chega
Um casal de velhos, sentados à mesa no café da manhã.
Velho: …
Velha: …
Velho: …?
Velha:...!
Velho: … Ah, muito obrigado.
Velha: …
Velho: … Eu disse: “muito obrigado”.
Velha: … Eu ouvi, não sou surda.
Velho: … Hahahahahahaha!
Velha: O que é tão engraçado?
Velho: Isso!
Velha: Você vê mais alguém rindo além de você?
Velho: …
Velha: …!
Velho: Essa eu não entendi.
Velha: E de quem é o problema?
Velho: … Certo. Vou chamar...
Velha: Quem?
Velho: Ah. Droga… verdade…
Velha: …, …, …!
Velho: ?!?
Velha: E fim de conversa.
Velho: Ah, é? Então tá, então.
Velha: …!
Velho: .
Velha: …!!!
Velho: .
Velha: …?
Velho: .
Velha: … Por que você não reage?
Velho: .
Velha: Não me force a isso!
Velho: ?
Velha: Eu não posso, seria demais pra mim, depois de tudo, de tanto tempo, admitir o fracasso seria admitir que a própria vida não tem sentido, e depois que abrirem os sótãos, o que irão encontrar, e se descobrirem que… (um ruído quase imperceptível ao fundo)
Velho: Você escutou isso?
Velha: Você está me escutan- espera, ouvi uma coisa?
Velho: Sim! Finalmente aconteceu! Eles decidiram acabar com tudo!
Velha: Ah, que alívio! … Podemos esquecer essa conversa, então?
Velho: A vida não tem sentido mesmo.
Os dois se dão as mãos. Um crescendo de estrondos. O mundo acaba em chamas.